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UM ENGENHEIRO EM CAPÍTULOS

6 - Das viagens

 

E tanta falta sentes, de todas aquelas viagens,

Apenas teu carro, o toca-fitas, a solidão benfazeja e a estrada,

O taco punta, o punta taco, o jogo contrário, contagiros e a pressão do óleo,

Não era uma estrada, era uma pista - caminho de todos - mas tua pista, só tua

As imprudências que não cometestes, que teu pé se fez leve, que, chegar, sempre precisavas,

Que só chegando, se poderia partir, que só partindo, de novo se poderia chegar,

Que só entre a partida e a chegada, tinhas o toca-fitas e a solidão tão bendita,

Que na música e na solidão te divertias, que, por ali, todos os teus sonhos se faziam,

Sonhos feitos de mulheres, todas tuas, de vitórias impossíveis, que todos os sonhos do mundo eram teus

E tua vida, fascinante, em teu carro; e tantas outras vidas em tantos outros carros, que por ti passavam,

Embora, tantas vezes, um indicador e um polegar, em círculo, se fizessem em saudação.

E o Sol que te ofuscava, a chuva que te continha, as poças que derrapavam, a viagem que seguia,

A tarde em lusco-fusco, a noite que chegava, os faróis que te alvejavam, a escuridão que te envolvia.

E dormias. Postos de gasolina pelas estradas, vigias e pousadas do teu sono de viajante.

E as madrugadas. A luz, só das estrelas; as montanhas, vultos apenas.

Nada se movia, nada se ouvia. Apenas teu carro, cruzando a Mantiqueira.

Parecia que, mundo, já não se tinha; ou, do mundo, já tinhas partido;

Talvez estivesses em Marte. Marte não, que a luz era muito pouca;

Marte não, que o escuro não se avermelhava. Nem Saturno, que, anéis, por ali não se viam.

Urano, quem sabe; Plutão talvez. Assim também não, que Plutão é muito longe.

Mas a aurora, aos poucos, se fazia, que ainda estavas pela Terra. Na Terra, sim, ali por Barbacena.

E fazia frio. Que lugar frio meu Deus! Mas te recompunhas, que um misto quente e uma Coca te esperavam!

Santo café da manhã! Café?

Isto é poesia? Que versos mais estranhos! É hora de acordar, que tua viagem segue em frente!

E tua viagem termina por hoje. Não por hoje, mas hoje. Hoje mesmo, que chegastes, agora, de BH.

E tua estrada mudou e mudastes também. Tu, o de hoje, já não és aquele que viajava.

A solidão, percebes, é saudade; a música já vem do CD. Quem roubou teu toca fitas?

Células trocadas pelo tempo; teu corpo já é outro. Será que ainda és tu?

Examinas teu corpo: muito diferente. Examinas tua alma e teus sonhos: diferentes, mais ainda.

E percebes que és a soma de tuas lembranças e aquilo que hoje és e assim serás,
amanhã e depois.

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