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PONTE NOVA
Por um acaso da vida,
Numa noite passageira,
João, entediado,
Sem ter muito o que fazer,
Decidiu-se, heroicamente,
Sentar-se num bar e beber.
Beber não faz mal algum,
Ao contrário, até que faz bem,
Desculpa melhor não se tem
Prá se ter o que fazer.
Num gole a vida vai,
Noutro gole a vida vem.
E, num desses vai que vem,
Veio também um alguém,
Que tendo muito o que fazer,
Pôs-se logo a beber
Na mesma mesa que o João:
"Sabe, me chamam Maria,
Estou aqui de passagem,
Meu pai me deixou na estrada,
Que vai até Ponte Nova,
Como não sei o caminho,
Nem mesmo conheço a cidade,
Pra não perder a viagem,
Sentei-me, aqui, ao teu lado,
Quero ouvir tuas bobagens."
E o João, ensimesmado,
Olhar mergulhado no copo,
Maravilhou-se pela imagem,
De tudo que à mente lhe veio.
Ora, se estava ali sentado,
Sem ter muito o que fazer
Por que não fazer tudo aquilo,
Que estava pra acontecer?
"Moça, de Ponte Nova não sei,
Que, por lá, eu nunca estive,
Mas, se igualzinho a ti,
Também não sei o caminho,
Por que ficarmos aqui?"
Foi então que as mãos se deram
E, nos olhos, se olharam,
E entenderam que a noite,
Começava a acontecer.
Entraram no carro do João
E, sem saber onde ir,
Tomaram a direção
Daquilo que havia de vir.
Havia um hotel no caminho,
Mas, no caminho do hotel,
Havia um parque florido,
Quem sabe, um pedaço do céu.
Foi então que a moça perdida,
Lembrou-se de tudo da vida
E olhou de lado pro João:
"João, me dá uma flor,
que sem flor eu não sou nada
E nada serei para ti."
E o João, meio sem jeito,
Desejo ardendo no peito,
Tomou-se de um susto danado:
"Sou apenas teu criado!"
E, descendo do carro
Perdeu-se naquele jardim:
"Cravos, rosas, que flor enfim,
aquela moça safada,
sozinha, desperdiçada,
haverá de ter de mim?"
E sem saber o perfume
Que enfeitasse a desgarrada
Trouxe um par de margaridas,
Pra ver se um jeito dava
Naquela moça da vida.
E, pra surpresa do João,
Ao ver-se, assim, enfeitada,
Sentiu-se, a moça, quase amada.
E, num sorriso pro João,
Quis abrir-lhe o coração,
E falou, e disse coisas,
Casos lá de Ponte Nova,
Que, por descaso da vida,
Nem chegara a conhecer.
Ali morava a mãe
Mas não morava o pai
Que na estrada lhe deixara,
E por não saber onde ir,
Jogou-se toda na vida
Pra conhecer nosso João
Pois, do João de cada dia,
Como de um naco de pão
Era disso que vivia
A nossa adorada Maria.
E o João, qual bobalhão,
Prestando muita atenção
No que a Maria dizia,
Percebeu, aparvalhado,
Toda a dor da solidão.
É que o João, tão bem nascido,
Ainda não tinha vivido
Nenhuma desilusão.
Mas, ali, naquela noite,
Tão apartado do mundo,
Sentiu-se, num instante, sem nada,
Só tinha a Maria e a flor.
Mas havia ainda o caminho,
Além do parque florido,
Havia ainda o hotel,
Onde sentir o calor
Da Maria e sua flor.
E, como história encantada,
Abriu-se de par em par,
Aquela Maria encantada,
Fingindo saber como amar.
E o nosso João, satisfeito,
Com muito orgulho no peito,
Arriscou-se a confessar:
"Maria, você me encantou,
por tudo aquilo que fez
Por tudo que me contou,
Quero te ver outra vez."
Maria, contudo, sabia,
O que se passava com o João,
Pois o João de cada dia,
Sempre e sempre repetia,
Tantas promessas em vão:
"João, aqui eu não fico,
pois sei, eu tenho que ir,
te disse, estou de passagem,
Mas, por certo, nessa viagem,
A flor que deixastes em mim,
Plantada, aqui no meu peito,
Quem sabe, me ensina o jeito,
De descobrir, porfim,
O caminho da estrada,
Que vai dar em Ponte Nova.
Só ali eu vou beber
Noutra mesa, com outro João
Só ali eu vou saber,
Que em tantas noites iguais,
A vida que vai e que vem,
Só vem e não se vai mais."
E o João, abestalhado,
Olhando sem entender,
Aquela Maria safada,
Falando do seu querer.
Por mais que João a quisesse,
Maria seguia com a vida
E não restava mais nada,
Que o João pudesse fazer;
Quem sabe, na noite seguinte,
De novo, enfastiado,
De novo, no bar a beber,
De novo, uma nova Maria,
Tendo muito o que fazer,
Num pedacinho de vida,
De novo o fizesse viver.
Wilson Melo da Silva Filho